segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Agora o bicho vai pegar!"

Foram três vezes. Três vezes de idas e voltas à bilheteria e a não conquista do objetivo. Até que, na quarta vez, fui um dia antes e, só assim, consegui comprar os ingressos do segundo filme de “Tropa de Elite”.

A expectativa era grande, as perguntas se iria superar o primeiro, se o desempenho dos atores seria tão bom quanto o anterior pairavam nas mentes de todos os telespectadores. No dia, o murmurinho na fila revelava a tensão e ansiedade dos fãs. “É agora”, podia ouvir e compartilhar com os mesmos pensamentos.


E então, com a mais grata surpresa, José Padilha nos dá aquele show de arte e crítica que, até mesmo, conseguiu superar os eloquentes, então, fãs do BOPE do primeiro filme da série.

A atuação de Wagner Moura (Capitão Nascimento), Seu Jorge, Iradhir Santos (Fraga), André Mattos (Fortunato) e André Ramiro (André Matias) foi brilhante e contou para o sucesso do filme, mas o que realmente chocou os telespectadores não foi a violência das cenas da máquina de guerra do Capitão Nascimento.


O que chocou foi todos se identificarem com o jeitinnho brasileiro que corrompe a polícia, a política e a vida pessoal de cada um. Foi facilitar a vida de uns e dificultar a de outros. Foi a polícia tomar o morro porque dava mais lucros do que fazer esquema com os traficantes. Foi ser o amigão das milícias, fazer parte do sistema, para você também ganhar a sua parte. Foi a jornalista ser estuprada, queimada (e, depois, retirarem a arcada dentária para não identificarem o corpo) porque ela descobriu o esquema de corrupção do país. Foi a luta de um historiador e ativista dos direitos humanos ter sua pesquisa contra as milícias arrastada e atrasada o máximo possível por incomodar um sistema que era muito maior do que a polícia e os morros. E é a vibração e as palmas do espectador em cenas como a morte do bandido interpretado por Seu Jorge ou a surra que o Capitão Nascimento dá no político.

A crítica de Padilha agora é no tripé política/mídia/corrupção. É em como funciona toda essa violência, o que fazemos para mantê-la e onde estamos errando.

Neste filme, um Nascimento dez anos mais velho percebe que matar bandido não é matar todos os males, ou um deles, mas que todo o problema do país está emaranhado na ganância e na corrupção. O que mais assusta no filme, apesar do exagero, é que não existem coincidências e nada é por acaso no sistema.

A boa crítica de Padilha vai além dos clichês “todo político é ladrão” e “a culpa é do governo”. Ele nos faz refletir em algo muito mais profundo ao representar o Capitão Nascimento como o cidadão de bem revoltado como qualquer outro que escolhe o combater o sistema, e não ficar inerte ou participar ativamente. Sem contar que a direção de arte e os efeitos especiais são incrivelmente realistas.

É bem verdade que a película apresenta características do primeiro filme, como o típico humor negro, a glorificação do BOPE e a ideia de que violência gera violência: “E sabe de quem é a culpa disso tudo?”, pergunta Nascimento, “É... e custa caro!”, mas isso é um fator que mais contribui para o seu sucesso do que o atrapalha.

A primeira frase do filme é "qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção". Irônico, não? Assim como todos os outros minutos.
Ao terminar o filme, a minha reação imediata foi sair do cinema totalmente revoltada e chorando por pensar que nunca nada iria mudar, apesar do diretor ter terminado o filme dizendo que é possível mudar o Brasil sim, mas é um processo trabalhoso.

Não me espanta o fato de Padilha ter ganhado o urso de ouro de Berlim nem que, nos primeiros dois dias após a estréia, a bilheteria dos cinemas tenha sido de 1,25 milhão de espectadores, de acordo com o Filme B e da Rentrak.

Esses só me fazem vibrar de felicidade de que cinema brasileiro pode ser bom, sim, e pode trazer muito mais do que violência. Este é um filme que deve ser assistido, analisado e digerido mais de uma vez.

Veja o infográfico aqui.

Confira o trailer

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