domingo, 21 de novembro de 2010

“Harry Potter e as relíquias da morte” é uma homenagem aos fãs da série

Eu não poderia escrever melhor. Crítica de Eliseu Barreira Junior, em Época online.









Quando Harry Potter e a pedra filosofal foi lançado nos cinemas em 2001, a adaptação extremamente
ingênua e infantilizada da série escrita por J.K. Rowling decepcionou muitos fãs. Nos filmes seguintes, apesar da considerável melhora da parte técnica das produções e do amadurecimento dos atores principais, a sensação de que os livros eram muito superiores aos filmes permanecia. A mutilação de trechos vitais da história e a fidelidade questionável à trama do bruxinho que sobreviveu a uma maldição da morte eram algumas das reclamações mais recorrentes. Agora, com Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 1, o cinema se redimiu com os fãs da obra de Rowling. O novo filme, dirigido por David Yates, é uma homenagem àqueles que sempre esperavam ver nas telonas o espírito da história da autora. Yates preserva a inventividade do texto de Rowling e consegue captar os valores e dilemas de uma aventura marcada por altruísmo, fé, autossacrifício, coragem e amizade. Relíquias – Parte 1 é uma produção para convertidos, ou seja, é dirigida a quem conhece Harry Potter e seus amigos. Ele promove um encontro entre os personagens e seus admiradores nas salas de cinema. Não há grandes surpresas – as principais são bem-vindas –, muito menos a sensação de que algo está fora de lugar. O filme consegue dosar, na medida certa, ação, drama, romance, comédia e suspense. O ritmo veloz de algumas passagens é intercalado pela calma de outras, numa operação quase que matemática.

A magnitude dos desafios que Harry (Daniel Radcliffe), Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) têm pela frente é sentida logo no início do filme. Na primeira sequência, vemos Rufo Scrimgeour (Bill Vighy), ministro da Magia, anunciando tempos sombrios em virtude da ascensão de Voldemort (Ralph Fiennes) – a cena faz lembrar Independence day, quando o presidente dos Estados Unidos anuncia em rede nacional a catástrofe que se aproxima. Em seguida, intercalam-se imagens de Harry, Rony e Hermione se “despedindo” de seus lares. A decisão já está tomada. Para destruir as Horcruxes, objetos que abrigam parte da alma do Lorde das Trevas, e assim aniquilá-lo, precisam abrir mão do convívio daqueles que mais amam. Devem lutar pelo bem maior. A cena criada pela equipe de Yates para marcar a saída de Hermione de seu lar ajuda a amplificar o tamanho do sacrifício que uma escolha dessas provoca. Na sala de sua casa, seus pais lhe oferecem uma xícara de chá e, desavisados de que algo está para acontecer, Hermione lança um feitiço para apagar as memórias que têm sobre sua filha. “Obliviate”, sussurra angustiada. Fotos da menina espalhadas pela casa desaparecem. Hermione fecha a porta e vai ao encontro da missão que decidiu abraçar com os amigos. Quase ao mesmo instante, Rony surge pensativo. Sua família está ao fundo. Ele os deixará para trás. Na rua dos Alfeneiros, Harry revisita o armário debaixo da escada em que viveu boa parte de sua infância. Enquanto olha para alguns soldadinhos de plástico nostalgicamente, percebe que é chegado o momento de enfrentar seu maior inimigo, de se lançar na direção de uma missão sem volta.

Harry, Rony e Hermione saem pelo mundo à procura das Horcruxes. Sem a proteção de Dumbledore (Michael Gambon) e caçados por Voldemort, eles precisam enfrentar uma jornada onde seu maior inimigo é o medo de falhar. Nesse contexto, a amizade dos três é colocada à prova e uma confusão de sentimentos ganha destaque – embora tenham poderes mágicos, eles são tão humanos quanto nós. A profundidade do enredo e os conflitos dessa relação geram as cenas mais engraçadas e dramáticas do filme. O ciúme de Rony leva a um rompimento momentâneo entre ele e Harry. Hermione fica deprimida. Para aliviar a tensão, Harry a convida para uma dança ao som de uma música tocada no rádio. São dois irmãos perdidos, mas que têm um ao outro para se consolar. A passagem é a mais perfeita tradução de como a amizade pode ser mágica. Quando Rony volta arrependido, ele trava um embate com Hermione, inconformada pelo sumiço do amigo. A discussão do casal faz a plateia ir ao riso. É por meio de momentos divertidíssimos como esse que o clima pesado que domina as mais de duas horas de filme se dissipa – e quando Emma e Grint brilham. Eles estão maduros em cena, com atuações acima da média. Radcliffe, apesar de estar bem em seu papel, fica em segundo plano em algumas situações. Chega a parecer apagado.

No quesito ação, quando a adrenalina entra em cena, Relíquias – Parte 1 não deixa a desejar. A perseguição promovida pelos Comensais da Morte à Harry Potter nas ruas de Londres remete a filmes do 007. E a invasão ao Ministério da Magia e a luta entre Harry e Nagini, a cobra de Voldemort, são de tirar o fôlego. Que bom que os bruxinhos podem aparatar! Por causa do feitiço que os permite desaparecer de um local e aparecer em outro, conseguem escapar da morte várias vezes. É nessa hora que o poder de convencimento dos efeitos visuais aparece. Sem dúvida, o filme é impecável nesse sentido. O grau de realidade atingido supera o das seis produções anteriores. Aliás, é graças a um excelente recurso gráfico que a história das relíquias da morte é introduzida no filme. Enquanto Harry, Rony e Hermione se veem às voltas com a procura das Horcruxes, descobrem que Voldemort está tentando obter um objeto mágico capaz de torná-lo um bruxo invencível – uma das relíquias. A explicação sobre elas é a passagem mais didática da trama, e talvez a única que ajude aquele que não é versado em Harry Potter a entendê-la.
Relíquias – Parte 1 também não é uma produção para crianças. Yates consegue completar a transição dos bruxinhos do mundo infantil para o mundo adulto, que iniciou em A ordem da fênix, sem dificuldades. Não há pudores nas cenas com tortura, mortes, sangue e nudez.

Ao final do filme, fica a sensação de que Yates foi coerente com a mensagem de Rowling. Ele mantém o caráter episódico da história e faz um filme fiel ao livro. O diretor e seu roteirista, Steve Kloves, não saem muito do trilho, justamente para não desagradar àqueles que esperam do último longa de Harry Potter uma adaptação que faça justiça à grandeza da história. Obviamente, produções cinematográficas devem buscar dar a um texto literário uma roupagem própria. Devem transformar literatura em cinema. Nessa passagem, porém, precisam respeitar a essência da obra original. Em Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 1, isso foi alcançado. É pouco provável que não ocorra o mesmo no derradeiro episódio que estreia no ano que vem. Se isso realmente acontecer, fãs como eu ficarão contentes.

Confira o trailer!

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